22 outubro 2013

Fotometria lunar no eclipse penumbral de 18 de Outubro de 2013

Imagem da Lua no eclipse penumbral de 19 de Outubro de 2013. À esquerda, ela se encontra eclipsada.
Pouco antes da data que marcou o último eclipse da Lua, foi interessante ler na internet alguns astrônomos amadores se queixarem de que este eclipse não valia a pena ser observado. Certamente, o efeito do obscurecimento do limbo lunar com a entrada da Lua na 'penumbra' da Terra não é dos fenômenos mais marcantes para se observar no céu, e o efeito teria passado desapercebido da maioria não tivesse ele sido anunciado previamente por várias fontes.

Acontece que a astronomia empírica é feita de fenômenos pouco notáveis. Então, aqui, resolvemos analisar o perfil da curva de luz lunar para 'ressaltar' o efeito e estudá-lo com mais detalhe. Embora seja aparente o obscurecimento como visto na Fig. 1, vamos tornar essa diferença 'explícita' por meio de análise da imagem. Talvez, a abordagem que usamos aqui possa ser usada em outros eclipses, ou sua aplicação sistemática possa ser usada para estudar, por exemplo, variações sutis no brilho da Lua durante eclipses totais. 

Para o astrônomo amador com interesse no desenvolvimento científico (e não apenas em tirar fotos do céu), esse artigo pode servir para tornar evidente a quantidade de informação contida em uma foto, mesmo que tirada com equipamentos simples.

A análise do perfil de brilho da lua durante o eclipse

Ambas as imagens da Lua na Fig. 1 foram tiradas com o mesmo equipamento (Fig. 2) e mais, com a mesma configuração (setup). Usou-se uma câmera Nikon D40 com uma objetiva com distância focal de 300 mm, f5.6. A sensibilidade do sensor (em modo manual) foi ajustada para ISO 200 e um tempo de exposição igual a 1/400 segundos. É importante também lembrar que as fotos foram tiradas sem a presença de nuvens. A análise que fazemos aqui não é válida se a Lua for registrada entre nuvens, por razões fáceis de se entender.

Fig. 2 Equipamento usado para tirar a foto da Fig. 1.
A primeira observação a respeito das imagens da Fig. 1 é que elas não estão alinhadas. Uma vez que a câmera foi colocada sobre um suporte (tripé) em montagem 'altazimutal', com o movimento da Lua no céu (no intervalo de tempo considerado), ela 'girou' em relação ao eixo da imagem (por exemplo, um eixo vertical que passe pelo centro de cada frame). Portanto, para poder extrair informação de cada imagem, é necessário considerar alinhamento, o que é algo constante em astrometria.

Nosso objetivo é extrair uma 'linha' ou corte na imagem com as intensidades registradas e comparar cada uma dessas linhas nas duas situações: Lua eclipsada e Lua depois do eclipse (fotometria do eclipse). Escolhemos na imagem original dois 'pontos' bem proeminentes conforme mostrados na Fig. 3. O primeiro ponto é o centro da cratera Aristarco conforme mostrado na figura. Esse ponto foi ligado a outro na parte 'superior' (sul da Lua). 
Fig. 3 Escolha dos pontos para traçado de uma reta e extração da curva de brilho. Não temos certeza, mas o ponto 'B' pode corresponder às crateras Reichenbach e Stevinus (ref. 1).
Esses dois pontos foram escolhidos de forma que a variação de brilho na curva fosse máxima. A parte próxima ao ponto B (Reichenbach, Stevinus?, ref. 1) estava localizada na região de maior obscurecimento, enquanto que o primeiro ponto (Aristarco) não apresentava variação de brilho. 

Assim, ao invés de girar as duas imagens (o que é problemático, já que elas estão amostradas sobre uma matriz diferente dos sensores do CCD da câmera), optamos por traçar as duas linhas em ambas as imagens. 

Fig. 4 Retas traçadas que correspondem a uma seção da imagem contendo os dados de brilho para análise. A Lua na esquerda é a Lua eclipsada, a Lua da direita é a Lua de "referência".

As retas escolhidas podem ser vistas na Fig. 4. Essas retas são determinadas pela equação:

y(x)=Y0+((Y1-Y0)/(X1-X0))*(x-X0),

onde (X0,Y0) e (X1, Y1) são as coordenadas dos pixels escolhidos na Fig. 2. Cada frame de imagem foi sub-mostrado para uma matris de 500 X 500 pixels. Para a imagem da direita (Lua de referência pós eclipse) temos

X0=304, Y0 = 286
X1=242, Y1=118

Para a Lua eclipsada:

X0=243, Y0=393
X1=297, Y1=122.

É importante notar que as duas retas não irão cair exatamente sobre as mesmas regiões lunares (mesmo porque, como dissemos, cada imagem está amostrada sobre sensores diferentes do CCD). Porem as 'amostras' assim extraídas irão corresponder, dentro do erro esperado, aos mesmos intervalos de dados em cada situação (eclipse e Lua de referência).

Para checar se a extração é correta, podemos calcular a distância entre os pontos extraídos em cada versão de imagem. No caso da lua de referência, essa distância foi igual a 275,1 pixels e, na Lua eclipsada, 276,3 pixels. A diferença observada está dentro do erro +/-0,5 pixels. 

Resultado
Fig. 5 Curvas fotométricas da lua de referência (curva preta), da Lua eclipsada (curva azul). A curva inferior é da diferença ente a curva preta e a azul e reflete o grau de obscurecimento provocado pelo eclipse penumbral.
O resultado pode ser visto na Fig. 5 e corresponde a uma amostra de 80 pontos da matriz de 500 X 500. Na abcissa está o índice que identifica o ponto ao longo da reta escolhida conforme a Fig. 4. Na ordenada está a intensidade ou brilho medido em tons de cinza (de 0 ou preto a 255 ou branco). À medida que andamos do zero até o final da curva para a direita, movemos do sul ao norte da Lua, passando por diversas características de sua superfície que estão identificadas na figura. A lua de 'referência' está gravada na curva escura (preto). A reta extraída da Lua eclipsada está representada pela curva azul. A diferença de brilho está marcada na curva inferior e chega a aproximadamente 60 tons de cinza.  

Conclusões

Por causa de um efeito chamado de 'aliasing', os dados extraídos originalmente não tem o mesmo comprimento (número de pontos). Isso acontece porque, de novo, as imagens estão giradas. Para que a medição fosse mais precisa, seria importante colocar a câmera ou equipamento sobre uma montagem equatorial. Um algoritmo de 'anti-aliasing' foi aplicado para produzir a Fig. 5, de forma que alguns pontos não caíram exatamente na mesma 'coordenada' (eixo da abcissa). Mas, conseguimos efetivamente registrar a diferença de brilho entre as bordas da Lua, o que corresponde a uma diferença não maior que 25% em relação ao tom mais branco (~250).

Até aqui apenas fizemos um trabalho de registro, análise e 'redução' dos dados. Seria possível explicar a curva da diferença na Fig. 5? O obscurecimento é, obviamente, provocado porque, na superfície da Lua, a Terra está provocando um eclipse 'parcial' do Sol. A diferença de intensidade na superfície é proporcional ao grau de ocultação provocado pela Terra no Sol. Por exemplo, a ocultação foi  maior no limbo próximo a Stevinus neste eclipse (correspondente à parte esquerda do gráfico da Fig. 5) e foi gradativamente desbloqueando o Sol em direção ao 'Oceanum Procellarum'.

Nos eclipses totais da Lua, a situação é muito mais complexa por causa da influência da atmosfera terrestre.

Para fazer teoria e prática corresponderem, seria necessário ter uma imagem ou configuração calibrada, o que foge do escopo deste trabalho. De novo, enfatizamos aqui que essa análise só é válida para a Lua observada em dois instantes sem a presença de nuvens. Não é difícil ver que as nuvens iriam prejudicar totalmente as intensidades, tornando impossível a comparação.

Fig. 6 Aplicação de uma transformação não linear sobre os pixels, aumenta o contraste e revela o obscurecimento de uma forma artificial.
Lembramos ainda que é fácil modificar a imagem da Lua eclipsada na Fig. 1 produzindo algo como a Fig. 6. Esta é uma imagem em que o constraste foi muito aumentado, tornando mais aparente o efeito do obscurecimento. Entretanto esta imagem está longe da aparência real do eclipse para aqueles que tiveram a chance de observá-lo à vista desarmada ou usando um binóculo. A astronomia amadora também pode estar cheia de imagens belas, porém enganosas.

Referência

1. Atlas da Lua cheiahttp://www.lunasociety.org/atlas/







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