16 agosto 2013

Nova Delphini 2013

Fig. 1 Posição da nova na constelação do Delfim, visível com binóculos.
Clique no mapa para amplicar.
O astrônomo Japones Koichi Itagaka de Yamagata no Japão descobriu uma 'nova estrela' na constelação do Delfim (Fig. 1) no dia 14 de Agosto último. Para isso, ele usou um telescópio refletor de 7 polegadas e uma câmera CCD. Essa estrela recebeu a designação temporária PNVJ20233073+2046041. 

Horas mais tarde, ela foi confirmada como um objeto 'novo' que brilhava a mag. 6,8 quase que visível à vista desarmada. Um dia antes da descoberta, nada era visível até a mag. 13 na posição assinalada pelo descobridor. Com esse brilho, a nova estrela pode ser facilmente fotografada com equipamento comum, usando-se exposições curtas de até 30 segundos. 

Fig. 2 Mapa feito como Stellarium por Bob King mostrando a aparência da nova estrela em
um campo e 2 graus. Os número indicam valores de magnitude (sem a separação decimal). 
A aposta é que esse novo objeto continuará a crescer de brilho, talvez atingindo o limite para observação visual desarmada, mesmo contando com a poluição luminosa (Fig. 3). Embora a designação de 'nova', acredita-se que se trata, de fato, de uma explosão de uma estrela que sempre existiu no lugar, mas que era fraca demais para provocar qualquer atenção especial. Segundo teorias modernas, uma nova ocorre quando dois objetos peculiares (um deles sendo uma anã branca) estão muito próximos. A anã branca extrai gás de sua companheira  muito maior e esse gás bastante aquecido (a temperaturas que chegam a centenas de milhares de graus Celsius), provoca o clarão observado como nova. 

Esse fenômeno pode reduzir em até 16 pontos o valor de magnitude do objeto, o que representa um aumento de 100 mil vez no brilho intrínseco.

Para astrônomos amadores de plantão, o fenômeno é raro o suficiente (poucas novas ficam abaixo de mag. 8,0) para justificar uma campanha de acompanhamento de brilho, anotando-se cuidadosamente os valores por comparação com estrelas vizinhas, conforme mostra o mapa feito por Bog King na Fig. 2.

Para um mapa com maior campo:

http://media.skyandtelescope.com/documents/Nova_in_Delphinus_PSA64.pdf

Fig. 3 Curva de brilho da Nova Delphini até 16 de agosto de 2013, mostrando brilho crescente na data. Cortesia: AAVSO.
Referência





23 junho 2013

Relatos de minhas observação do 1P/Halley em 1986


Uma observação nossa, datada de 5 de abril de 1986 foi encontrada em nossos registros de observação. Depois de 27 anos, temos a chance de publicá-la, com desenhos que foram feitos na época. Essas observações foram feitas desde Piracicaba/SP e usei um binóculo 7X50 e um telescópio refletor Newtoniano de 120 mm de diâmetro marca DFV (DF Vasconcellos).

Página 1 do relato de observações em 5 e 4 de abril de 1986.
Clique na imagem para ampliá-la.
O texto da Página 1, escrito à máquina diz:
Minha primeira observação pós periélica do cometa Halley se deu às 8:30 da manhã (TU) do dia 14 de março. Estava ele acima da constelação de Capricórnio, dentro de um quadrilátero formado por quatro estrelas em forma de trapézio. 
A cauda perfeitamente visível não excedia os 4 graus, mas a cauda real deveria ser bem maior. A olho nu, era possível vê-la estreita e pequena. Esta cauda revelava-se, ao binóculo 7X50, grossa e com um bom comprimento. Talvez sua espessura seja devido ao efeito de perspectiva entre a cauda de poeria e a de gás. 
A magnitude visual do cometa na ocasião era, por incrível que pareça, superior à magnitude do aglomerado globular ω Centauri. A dimensão da cabeleira era da ordem de 7' de arco, com um núcleo óptico de diâmetro superior ao estelar, portanto, maior que 1" de arco.
E prossegue:
No dia 21 de março, volto à observação no mesmo horário.  
A principal diferença era o fato da cauda apresentar uma menor curvatura do que no dia 14. 
No dia 26 de março, a influência da Lua é marcante no comprimento da cauda. Sua redução é quase que completa, somente destacando-se a cabeleira e o núcleo. 
4 de abril -------------------
Início: 2:30 TU. 
A cauda apresentava-se muito menor do que no dia 14 de março. 
O fato mais marcante da observação foi o diâmetro da cabeleira, que apresentava-se bem maior do que antes, devido a sua maior proximidade com a Terra. O diâmetro era de ordem de 13' com núcleo um pouco mais nebuloso. 
A magnitude visual este dia era de ordem inferior ao do aglomerado globular ω Centauri. Talvez isso seja devido a proximidade do horizonte, o que diminuiria sua luminosidade. 
Observação: todas as observações foram realizadas em área urbana, com poluição luminosa não muito influente e sem poluição atmosférica.
Página 2 do relato de observações em 5 e 4 de abril de 1986.
Clique na imagem para ampliá-la.
Finalmente, a foto apresentada no final, é uma reprodução de uma imagem publicada no jornal na época, de autoria e data desconhecidos. O texto é acompanhado com desenhos feitos à mão do que pude observar nessas datas. Minha descrição do céu urbano de Piracicaba na época era de 'pouca influência da poluição luminosa', o que contrasta com os dias atuais.

23 maio 2013

Contemplando o céu: a constelação do Cruzeiro do Sul (Crux)

Imagem do Cruzeiro do Sul. Foto tirada em 4 de fevereiro às 20:58. Nikon D40, ISO-1600, 10 s de exposição. Essa é uma imaem do Cruzeido do Sul conforme ele aparece a observadores urbanos.
Em teu seio formoso retratas
Este céu de puríssimo azul
A verdura sem par destas matas,
E o esplendor do Cruzeiro do Sul...
Olavo Bilac

"...estas Guardas nunca se escondem, antes sempre andam em derredor sobre o horizonte, e ainda isto duvidoso, que não sei qual de aquelas duas mais baixas seja o Pólo Antárctico; e estas estrelas, principalmente as da Cruz, são grandes, quase como as do Carro; e a estrela do Pólo Antárctico, o Sul, é pequena como a do Norte e mui clara, e a estrela que está em riba de toda a Cruz é muito pequena." (Carta de Mestre João a D. Manuel, observação do céu feita em Vera Cruz, Primeiro de Maio de 1500, arquivo Nacional da Torre do Tombo)

O conhecido asterismo de Crux (o Cruzeiro) é uma das mais distintas constelações do hemisfério austral. Semelhantemente ao "Grande Carro" (Ursa Maior) ou a "Pequena Ursa" no hemisfério boreal, sua posição próximo ao polo celeste sul confere a ele o aspecto de "ponteiro celeste", pois é uma constelação circumpolar, assim como  α e β do Centauro se apresentam como um "distinto par" próximo a Crux. Essa característica não passou desapercebida de Mestre João, que chama de "As Guardas" as estrelas do Cruzeiro, na missiva que endereçou a D. Manuel de Portugal com suas observações em 1o de Maio de 1500. Os arquivos da Torre do Tombo em Portugal contém os detalhes da missiva, bem como outros documentos e um mapa celeste feito por Mestre João em 1500 contendo distintamente as principais estrelas do Cruzeiro.

Crux está localizada numa extensa faixa leitosa da Via-Láctea, sendo melhor apreciada em lugares notadamente escuros, uma condição certamente prevalecente em 1500, o que muito deve ter deslumbrado os primeiros navegadores portugueses.

Com uma câmera fotográfica moderna capaz de realizar poses prolongadas, além das principais estrelas que compõem Crux, é possível registar várias outras progressivamente, conforme a tempo de exposição ou sensibilidade do dispositivo permite. Por se localizar próximo ao polo celeste sul, exposições de até 20 segundos ou mais, com objetivas simples (tipo 50 mm) são permitidas, sem que se registre os traços do movimento da abobada celeste, que são mais fáceis de se perceber nas fotos de objeto localizados nas proximidades do equador celeste.

Fig. 1
Principais componentes

O mapa da Fig.1 identifica os principais membros da constelação de Crux como visto desde a perspectiva da metade da noite de um dia de começo de Fevereiro. Alguns dos destaques dessa constelação são brevemente discutidos no que segue.

Aos pés do cruzeiro está Acrux (α Crucis): é a estrela mais brilhante da constelação e a 12a mais brilhante do céu. Tem uma magnitude visual de aproximadamente 0,7 e está a 320 anos-luz de distância da Terra. Na latitude -63 graus ela é a estrela mais brilhante do céu austral. Não pode ser vista ao Norte a partir da latitude 27 graus.

Acrux é um sistema múltiplo composto de α-1 Crucis, uma subgigante de classe B e α-2 Crucis, uma estrela anã da classe B. Elas estão separadas aparentemente por 4". Ambas estrelas são muito quentes, com luminosidades que são 25 mil e 16 mil vezes maiores que o Sol.

Na bandeira do Brasil,  α Crux representa o Estado de São Paulo.

β Crucis (Mimosa) é a segunda estrela mais brilhante da Cruz e a 20a mais brilhante do céu. Tem a magnitude aparente de 1,3 e está distante de nós 350 anos-luz. Ela é classificada como uma variável do tipo β Cephei. Além disso, é uma estrela binária espectroscópica, composta de duas estrelas separadas por 8 U. A. (Unidades Astronômicas) de distância que orbitam uma a outra em um período de cinco anos. Na bandeira do Brasil, Mimosa representa o estado do Rio de Janeiro.

δ Crucis é um exemplo de estrela variável do tipo "Cefeida", com uma variação muito sutil no seu brilho  e num período de pouco mais de uma hora. Essa variação está associada a uma rápida rotação da estrela.

A estrela chamada, às vezes, de "Intrometida" ou "Intrusa" (porque está localizada de forma a modificar a imagem da cruz) é ε Crucis, uma estrela de classe K de 4a magnitude. Sendo uma gigante laranja, está localizada a 230 anos luz de distância.

γ Crucis (Gacrux) é uma gigante vermelha do tipo espectral M. Tem magnitude aparente 1,6 e está a 88 anos-luz de distância. Gacrux é a 26a estrela mais brilhante do céu e também é um par binário onde a principal é do tipo M e a companheira (secundária) é uma estrela branca da classe A com magnitude visual 6,4. Entretanto, essa proximidade é apenas aparente, pois a companheira está localizada a 400 anos-luz de distância da Terra.

As estrelas ι Crucisμ Crucis são estrelas duplas. Iota está localizada a 125 anos-luz de distância e é composta de uma estrela laranja do tipo K1 com magnitude 4,7 e uma companheira tipo G de magnitude 10,2. Já μ Crucis é a sexta estrela mais bilhante do Cruzeiro formando um par bem separado de estrelas banco azuladas (classe B) de magnitudes 4,0 e 5,1 e separadas em 35". Ela é facilmente observada com um telescópio pequeno (de 70 mm de diâmetro) ou mesmo num bom binóculo.
Fig. 2 NGC 4755 ou a 'Caixa de Jóias' conforme uma imagem
do ESO em La Silla.

A "Caixa de Jóias" ou κ Crucis (Fig. 2 e 3) é um esplêndido aglomerado aberto, um dos mais famosos do hemisfério austral. Também chamado de NGC 4755 ou Caldwell 94, ele está localizado a aproximadamente 6500 anos-luz de distância e contém algo em torno de 100 estrelas.

A estrela que domína a cena na "Caixa de Jóias" é a estrela HD 111973 que é uma super gigante vermelha do tipo M com magnitude visual 5,9. Seu brilho e coloração contrasta com todo o conjunto, que é predominantemente azul.

Outro objeto que domina o panorama do cruzeiro e que é observado apenas em locais sem poluição luminosa é a nebulosa escura do Saco de Carvão (Fig. 3, filme). Foi registrado pela primeira vez em 1499 por Vicente Pinzon em uma viagem à America do Sul. Alguns anos mais tarde, Américo Vespúcio denominou esse objeto "il Canopo fosco". Também é conhecido como "Macula Magellani", numa referência ao grande navegador Fernão de Magalhães. Mas, é provável que sua presença seja conhecida desde tempos pré-históricos. De qualquer forma, sua observação requer condições especiais que não existem em centros urbanos. 

Figura 3 "Zoom" com imagens do Telescópio Hubble da região 
do cruzeiro com detalhe de  κ Crucis.

Uma variedade de outros aglomerados como NGC 4609, NGC 4103, NGC 4052, NGC 4337 e NGC 4439 pode ser observado facilmente nesta pequena constelação, que é, talvez, a mais famosa do hemisfério austral. 

O Cruzeiro visto desde Londres em 3000 a.C.

Uma curiosidade (2) é que a constelação do Cruzeiro era visível desde Londres por volta do ano 3000 a. C. Isso se deve ao movimento de precessão da Terra que modifica o aspecto visível do céu em um período de 26 mil anos. Uma simulação pelo software Stellarium mostra o surgimento de Crux bem baixo no horizonte londrino (não se podia ver toda a constelação, mas apenas sua porção boreal) conforme mostra a Fig. 4. A data é 26 de Fevereiro de 3000 a. C e o horário é aproximadamente 21:00 UT. A simulação mostra o asterismo de Crux algo deformado por causa do movimento das estrelas em relação a nossa época.

Fig. 4. Imagem do Cruzeiro do Sul visto desde a cidade de Londres em 26 de fevereiro do ano 3000 a. C.
Agradeço ao Alexandre Caroli Rocha por algumas dicas de referências históricas.

Referências
  1. G. B. Afonso (2013). O Cruzeiro do Sul e as Plêiades no calendário dos índios Guarani. Revista Digital de apoio ao estudante pré-universitário.
  2. R. Las Casas (2000). O Cruzeiro do Sul. Observatório UFMG.
  3. Arquivos da Torre do Tombo (Portugal)http://antt.dgarq.gov.pt/exposicoes-virtuais-2/astronomia/