02 dezembro 2013

A questão dos nomes astronomia, astrofilia e o significado da astronomia amadora.

D. Pedro II (1825-1891)
O dia 2 de Dezembro é conhecido nacionalmente como 'dia do astrônomo'. Esse é também o dia de nascimento de Pedro de Alcântara ou D. Pedro II que é reconhecido (merecidamente) como patrono da astronomia brasileira. Sempre nesse dia surge a dúvida se a comemoração deve incluir não somente os astrônomos profissionais mas os amadores também. Para tentar resolver a dúvida, devemos antes discutir um pouco sobre o significado próprio dos nomes usados para designar a ciência da astronomia e a prática da observação do céus "sem compromisso", como realizada por amadores.

Por que as ciências que estudam fenômenos, ocorrências relacionados à vida se chama "biologia", e aquela que estuda fenômenos e ocorrências relacionados aos astros se chama "astronomia"? Além disso, não se fala em uma 'física amadora' ou uma 'biologia amadora'; não se ouve falar (em clubes) de 'físicos amadores' ou 'biólogos amadores', então, porque existiria 'astronomia amadora'? 

A julgar pela disposição das palavras, o certo seria substituir "astronomia" por "astrologia" (no mesmo sentido de "biologia"), enquanto que o significado presente de "astrologia" deveria ser "astromancia" (de 'mancia' que significa 'adivinhação, ou seja, a astromancia seria a prática da adivinhação futura pela observação dos astros). 

O mesmo ocorre com o uso do temo 'astrônomos amadores' para designar pessoas que têm interesse diletante pelos astros. De fato, a astronomia amadora nada tem de científica na acepção correta desse termo porque a atividade dos 'astrônomos amadores' apenas guarda com os astrônomos profissionais o objeto da observação dos astros. Astrônomos amadores, com raríssimas exceções, não estão envolvidos com o desenvolvimento ou exploração ativa de um paradigma científico ou teorias criadas para explicar fenômenos celestes.

De fato, pode-se destacar três "áreas de atuação" para astrônomos amadores:
  1. Especialização na aquisição de imagens de corpos celestes por meio de equipamentos construídos amadoristicamente ou adquiridos no mercado. São os "imagers" em inglês;
  2. Dedicar-se ao ensino e divulgação de astronomia para crianças, jovens e adultos;
  3. Colaborar com alguma campanha de observação no levantamento de dados em rede para uso por profissionais (estrelas variáveis, cometas, análise de dados online de projetos de 'big science': telescópios espaciais etc) ;
Recentemente, surgiu uma quarta classe de 'interessados em astronomia', que não observam nada no céu, mas passam horas na frente de computadores replicando mensagens e textos de material sobre astronomia e imagens astronômicas. De qualquer forma, a chance de uma contribuição efetiva ao progresso da ciência astronômica só é relevante com o terceiro grupo listado acima e, mesmo assim, na dependência das descobertas serem validadas por algum profissional.

Apenas porque têm um interesse diletante pelo céu, quando chegam mesmo a desenvolver algumas técnicas de observação, ou se valem de recursos tecnológicos semelhantes a de astrônomos profissionais, não os coloca no mesmo patamar de atividade desses últimos...

Porém, muitos diletantes em astronomia amadora acabam fazendo eco a vozes do cientificismo ingênuo de nossa época e pregam uma 'religião cética', quando pretendem extrapolar as descobertas específicas da ciência astronômica para qualquer outro fenômeno. Mas,  ciência de verdade nada tem a ver com esse cientificismo. Ciência é uma atividade complexa, que exige anos de treinamento e dedicação e que não se resume a tirar algumas fotos do céu ou fazer um relatório de observação.

Mas, existiria um nome mais preciso para designar a prática da astronomia amadora conforme as três classes descritas acima? Uma boa sugestão seria talvez um neologismo como 'astrofilia': astrônomos amadores seria 'astrófilos' ou praticantes da 'astrofilia' (sem o termo amador adicional, 1).

O fato é que, consagrado pelo uso e sem nenhuma referência à lógica da semântica original dos radicais, a atividade de 'astronomia amadora' está incorporada em parte ao imaginário popular como uma prática científica, mas ela verdadeiramente não é. Isso não muda em nada o fato de que as comemorações do dia 2 de dezembro devem, merecidamente, abarcar todo os interessados, sejam eles profissionais ou meros amantes do céu.

Referências

(1) Esse nome parece ter sido adotado por amadores italianos. Ver http://www.astrofili.org/

18 novembro 2013

Fotometria do cometa Ison (Novembro de 2013)

Fig. 1 Imagem de 14 de Novembro com a presença do cometa Ison. Problema: com base nesta imagem, qual a magnitude do cometa? Imagem obtida em Barão Geraldo, Campinas, SP.
Finalmente, o dia 14 de Novembro permitiu o primeiro registro fotográfico do cometa Ison, como visto desde Campinas, SP (figura 1). A imagem mostra uma pequena mancha esverdeada em meio às estrelas da constelação da Virgem. Esse registro fotográfico, por mais simples que pareça, contém em si informação suficiente para determinar a magnitude (ou brilho) do cometa. 

Vamos mostrar aqui um método prático (fazendo jus ao nome do blog) de se estimar essa magnitude. A imagem da Figura 1 já identifica diversas estrelas na vizinhança do cometa. A magnitude dessas estrelas é conhecida. Como podemos fazer para estimar a do Ison? O método aqui descrito é semelhante à estimativas feitas pelo olho, quando se compara o brilho a ser inferido com duas estrelas de magnitude maior e menor que o do astro, obtendo-se um resultado por interpolação.

Sem muitos detalhes, passamos a descrever o método, que é baseado na extração de informação de brilho contida na imagem. Antes de tudo, convém listar as magnitudes (como dada pelo Stellarium) para as estrelas listadas na Fig. 1, em ordem decrescente de brilho:

m(X Vir) = 4.65
m( ψ Vir) = 4.75
m(g Vir) = 5.55
m(HIP 62743) = 6.45
m(HIP 63225) = 6.9
m(HIP 63240a)=7.25

Observe que colhemos uma amostra de estrelas com ampla gama de variação e sabemos que o cometa tem brilho no intervalo 4.65-7.25 claramente por inspeção visual da Fig. 1.

Extração da amostra de brilho de sensibilização da imagem.

Antigamente, a medida de brilho em placas contendo uma imagem era feita por meio de análise de microscópio. Cada estrela na imagem da Fig.1 era observada sob um microscópio e o analista media a área da "mancha" sensibilizada no filme. Como temos uma imagem digital, podemos fazer isso diretamente sobre a matriz da intensidades. Para tanto, convertemos a imagem da Fig.1 (que é colorida) em um padrão preto e branco (onde os tons de cinza vão de 0 (preto) a 255 (branco), ou formato 8-bits).

Extraímos um pedaço da imagem por meio de um algoritmo de análise. No nosso caso, usamos o software MathCad que permite a manipulação de imagens inteiras ou pedaços dela. Por exemplo, a Fig. 2 traz os mapas em tons de cinza do cometa na foto da Fig.1, de ψ Vir e de X Vir para um quadro com 20 X 20 pixels. Note que a imagem não aparece circular mas ovalada, por causa da exposição de 8 segundos e o uso de tripé sem acompanhamento.
Fig. 2 Matrizes de intensidade de amostras da imagem da Fig.1 convertida em preto e branco, centrado em cada elemento indicado e cobrindo uma área de 20 X 20 pixels. A estrutura 'ovalada' se deve ao movimento do objeto durante a exposição de 8 segundos.
Há uma outra maneira de representar o 'mapa' de intensidade da fig. 2. Através de um gráfico 2d de curvas de intensidade ou superfícies 3d de alturas. Nesse último caso, cada pixel representa um paralelepípedo com altura igual ao tom de cinza do pixel. Essa representação pode ser vista na fig. 3 à direita, junto com o mapa de contorno de intensidades em 2d para o cometa Ison (ou seja, a representação de tons de pixel do primeiro frame da Fig. 2).
Fig. 3 Esquerda: curvas de nível de intensidade para o cometa Ison (mapa 2d). Direita: representação 3d onde cada tom do pixel corresponde a uma altura. O brilho é dado, por exemplo, pela soma das alturas de todos os 'blocos' que tenham altura acima de um limiar escolhido.
O brilho fotográfico do objeto pode ser tomado como sendo igual a soma de todas as 'alturas' no mapa de intensidade que estão acima de certo limiar. No nosso caso, escolhemos esse limiar de forma que a função de brilho seja proporcional (ou inversamente proporcional) à magnitude das estrelas escolhidas.

O cálculo do brilho pode ser feito por meio da seguinte função, que chamamos de meas(image,limiar) (escrita em código MathCad, aqui image é a matriz de intensidade de entrada):


 Chamamos de B o brilho extraído a partir da contagem dos pixels submetidos à filtragem do limiar (ou seja, o valor resultado de meas(image, limiar)). Para a fig. 1, o resultado com limiar = 107 foi:

B(X Vir) = 5379
B( ψ Vir) = 5379
B(g Vir) = 3480
B(HIP 62743) = 1312
B(HIP 63225) = 915
B(HIP 63240a)=107

A curva de calibração da imagem e, finalmente, a magnitude do Ison

O próximo passo consistem em plotar em um gráfico os valores de B versus a magnitude (fornecida anteriormente). Cada ponto azul da Fig. 4 é uma estrela na lista usada para calibração. Assim, no eixo x podemos ler a magnitude visual usada e na ordenada o brilho (conforme calculado acima para a função de brilho). 

Fig. 4 Reta de interpolação dos dados (função de brilho versus magnitude). Com base na curva que melhor interpola os dados, a magnitude do Ison pode ser calculada a partir de seu brilho estimado da imagem.
A reta tem a equação B(mag) = a + b*mag, onde:

a = 15100
b = -2082

Esses valores são extraídos a partir de uma interpolação linear feita sobre os pontos do gráfico da Fig. 4. Pela aplicação do superfície de intensidade do cometa (fig. 3) usando o mesmo limiar obtemos:

B(Ison)= 3233

Portanto, a magnitude do cometa será dada por:

mag(Ison)=[B(Ison)-a] / b

Substituindo os valores na equação obtemos:

mag(Ison) = 5.7.

Essa é a magnitude estimada com base na imagem obtida da Fig. 1.

Premissas e observações 

Alguns comentários são importantes sobre o que aqui descrevemos:
  • Usamos valores de magnitude visual, enquanto que a CCD da câmera fornece brilho proporcional à magnitude fotográfica;
  • Há diferenças, portanto, entre as magnitudes e as correspondentes funções de brilho por causa das cores dos objetos fotografados (para o olho humano um objeto com certa cor pode ser mais brilhante do que para a CCD);
  • Se mais de uma imagem fosse novamente analisada, é provável que o brilho estimado não seria exatamente igual ao obtido. Isso ocorre por causa de erros no registro, flutuações de intensidade incontroláveis no CCD;
  • O processo de conversão para preto e branco altera as intensidades de entrada;
  • Podemos usar outras funções para estimativa do brilho, mas a relação entre a magnitude e o brilho pode não ser linear como mostrado na Fig. 4;
  • Se usarmos outro valor de Limiar, p. ex, 106, a magnitude obtida é igual a 5,68 (ao invés de 5,70). O método é sensível ao valor de intensidade usado, mas a variação está no intervalo +/-0.03;
  • O correto seria tomar várias imagens e aplicar, de forma automática, o método para cada uma delas. Tomar a média e estimar o erro. 

Nosso objetivo aqui foi apenas mostrar como é feito - de forma grosseira - as estimativas de magnitude sem dependência com o olho humano. Esse método pode ser aplicado para outros objetos, por exemplo, estrelas variáveis, com vantagens porque é uma estimativa totalmente numérica e não depende de julgamento psicológico do observador.

Nossa estimativa para a magnitude do cometa Ison em 14/11/13 as 07:15 UT foi, portanto, 5,7+/-0,03.

Referências






13 novembro 2013

Cometas em 2013: em tempos de ISON quem brilha mesmo é LOVEJOY

Com a aproximação do periélio do Cometa C/2012 S1 (ISON) cresceu o interesse pela busca de cometas. Estão anunciados quatro cometas para Novembro de 2013: o esperado ISON, o cometa C/2013 R1 (Lovejoy), o cometa Encke e uma 'variedade' do LINEAR.

Fig. 1 Mapa da posição do cometa C/2013 R1 em 11/11/2013.

Fig. 2 Aspecto do cometa c/2013 R1 como visto por um binóculo. A data é 11/11/2013 as 05:00 do tempo local (07:00 TU).
Acordamos no dia 11 de Novembro  último para tentar observar pelo menos os dois mais brilhantes desses. Na primeira tentativa usando um binóculo 15X70, não foi difícil divisar o C/2013 R1 próximo à cabeça do Leão, como indicado pelo mapa da Fig. 1. Ele estava bem próximo da estrela  κ Leo como mostrado por esse mapa. 

A Fig. 2 traz uma imagem do cometa Lovejoy feita com uma lente de 300 mm de distância foca a 8 segundos de exposição apenas para registrar a ocorrência. A estrela assinalada com o '87' é a HIP 45897, que tem magnitude 8,7 para comparação. Era visível a presença de uma coma bem pronunciada, embora nenhuma cauda fosse perceptível.

Em vão procuramos pelo ISON, embora tivéssemos feito um mapa semelhante para buscá-lo na constelação de Virgem bem próximo a um par de estrelas Zeniah (η Vir) e 13 Vir. O problema? Estando muito baixo do horizonte, sua posição o coloca muito próximo do brilho da aurora. Junte a isso a poluição da cidade de Campinas e não temos uma quadro favorável a sua observação. Como ele ainda não desenvolveu o brilho necessário na data, a observação com binóculo não foi possível. Isso soa como uma decepção, afinal o tal cometa foi anunciado com muita antecedência, mas não pode ser visto facilmente na data. 

No meu entendimento, a campanha de anuncio do C/2012 S1 foi um total fiasco. À medida que seu brilho aumenta (conforme uma curva de luz teórica) ele se aproxima cada vez mais do sol e do brilho da aurora, estreitando bastante sua janela de observação que deverá ficar para o final do mês de Novembro.

Um belo registro dos dois cometas pode ser visto, porém, na Fig. 3 feito em 9 de Novembro de 2013. Parabéns aos observadores Paulo Régis, Luidhy Santana, João Melo, Hilbermon Almeida e Evandro Silva pelo registro feito em Paramoti, CE.

Fig.3 Registro do cometa ISON e o Lovejoy feito em Paramoti, Ceará. Créditos: Paulo Régis, Luidhy Santana, João Melo, Hilbernon Almeida e Evandro Silva. Refletor Schmidt-Newtoniano, 250mm, f/4, CCD Atik. 100 segundos cada imagem. 9 de Novembro de 2013.   
Saiba mais

Para observar o cometa C/2013 R1 ou Lovejoy, use este mapa aqui.



25 outubro 2013

Eclipse do Sol: 3 de Novembro de 2013 (eclipse híbrido)

Fig. 1 Imagem do eclipse do Sol em 22 de Setembro de 2006. O eclipse de 3 de Novembro terá este aspecto como visto nas regiões nortes e nordeste do Brasil. (Foto: A. Xavier, Canon PowerShot A300, ISO 100, 1/200 segundos com filtro.)
Conforme anunciado aqui anteriormente,  o eclipse parcial da Lua deverá ser seguido por um eclipse total do Sol que, em sua totalidade, não será visível no Brasil. Porém, em uma extensa faixa de dimensões continentais sobre Brasil (Fig. 3), o eclipse poderá ser visto como um eclipse parcial. Isso significa que a Lua irá cobrir apenas parcialmente o Sol, em média 20% da superfície do disco solar. Na regiões mais setentrionais do Brasil, o obscurecimento chegará a 40%.

Há uma característica interessante desse que será o último eclipse de 2013: é que ele se trata de um eclipse híbrido. Segundo a ref. 1:
Esse será um dos raros eclipses híbridos anular/total nos quais algumas seções da trajetória são anulares, enquanto que outras são totais. Tal dualidade ocorre quando o vértex da sombra da Lua toca algumas partes da Terra, mas fica distante dela em outras. Essa geometria peculiar se deve à curvatura da Terra que faz com que certas localidades caiam dentro da sombra, enquanto que outras fiquem mais distantes, dentro da 'ante-sombra'. Em muitos casos, a trajetória central começa anular e muda para total no meio do caminho, ficando anular de novo no final da trajetória. O eclipse do dia 3 de Novembro é ainda mais único porque a trajetória central da sombra começa anular e acaba total. Porque eclipses híbridos ocorrem próximos do vértex da sombra da Lua, a trajetória de totalidade é muito estreita. 
Para entender isso, ver a Fig. 2.

Fig. 2 Condição de ocorrência de um eclipse total 'híbrido'. A trajetória de totalidade ocorre de A para B. Em A o eclipse é anular porque o ângulo aparente da Lua é menor do que do Sol. Em B, a Lua está 'mais próxima' e, seu diâmetro aparente é suficiente para cobrir o Sol, causando um eclipse total. Esta condição será satisfeita no eclipse de 3 de Novembro. 
Quanto à trajetória do eclipse, a Fig. 3a produzida por F. Espenak da NASA traz a distribuição geográfica da projeção sobre o globo terrestre da penumbra e sombra. A Fig. 3b é uma complementação em animação da Fig. 3a e mostra a evolução do fenômeno.

Fig. 3a Distribuição geográfica da projeção da sombra do eclipse de 3 de Novembro. A linha central é a trajetória de totalidade que passará em terra apenas no continente africano. O ponto máximo é o centro do mapa que se encontra sobre o oceano Atlântico.  O eclipse tem início antes das 10:00 do Tempo Universal (horário de Greenwich), atinge o máximo as 12:46 do Tempo Universal. O eclipse será assim visível na manhã do dia 3 de Novembro. Os horários para o Brasil (eclipse parcial e percentual de parcialidade) estão indicados no mapa.
Fig. 3b Gif Animado representando a evolução da penumbra sobre a Terra. O horário está em 'Tempo Universal'.
Como NÃO observar o eclipse

Se você está em uma região do Brasil onde ele será observável (região norte e nordeste como indicado pela Fig. 3), é importante saber de antemão o que não se deve fazer errado na observar o eclipse. A maior parte das pessoas não tem consciência da quantidade copiosa de radiação que é emitida pelo Sol e como ela pode danificar a retina dos olhos causando lesões irreversíveis. Assim, alguns mandamentos são:
  • JAMAIS olhe para o Sol sem nenhum tipo de proteção;
  • JAMAIS utilize qualquer tipo de instrumento de observação (binóculo, telescópio etc) sem proteção apropriada. Em geral essa 'proteção apropriada' envolve a aquisição de filtros ópticos que não podem ser substituídos por opções de 'baixo custo';
  • JAMAIS utilize negativos de filmes fotográficos para observar o sol (tipo negativo de 'raio-X', de fotos antigas etc). Isso porque, embora o negativo possa barrar a parte visível que o Sol emite, ele não pode bloquear o que é invisível e que é, igualmente, prejudicial a sua visão;
Fig. 4 Método da projeção. Eclipse híbrido de 29 de Março de 1987. Este eclipse foi visível como parcial no Brasil. Foto A. Xavier. O telescópio é um refletor Newtoniano DFV de 12 cm de diâmetro.
Como observar

O melhor método de todos é o da projeção. Ela pode ser feita por meio de uma 'câmera escura' onde um orifício de dimensões diminutas projeta a imagem do Sol para uma região de sombra (por exemplo, um pequeno buraco feito em uma janela).

Fig. 5 Uma 'câmera escura' para observar o eclipse.
O comprimento L é variável. Para um diâmetro de disco
 igual a 1 cm, L será 115 cm  (Ref. 2). O orifício supe-
rior pode ser feito por meio de um alfinete.
Observar o Sol dentro de casa por meio de buracos na parede tem o inconveniente de exigir que o Sol esteja baixo em relação ao horizonte (além do problema de fazer o furo). Mas, isso não é necessário. Como o Sol tem um diâmetro aparente de 0,5 grau, para produzir um disquinho de 1 cm de diâmetro, você terá que ter um espaço de 115 cm de comprimento para a projeção (ou 1 cm / (0,5/57,3) se a opção for uma câmera escura como na Fig. 5. Por outro lado, ele tem a vantagem de permitir que várias pessoas contemplem o fenômeno.

Outra opção, se um telescópio de pequena abertura (< 12 cm de diâmetro) estiver disponível, é usar também a projeção conforme mostra a Fig. 4, ou seja, projetar a imagem do Sol através da ocular. Ressaltamos 'pequena abertura' porque telescópios maiores não podem projetar o Sol diretamente sem nenhum tipo de filtro ou diafragma. Um espelho de grande abertura de um telescópio refletor apontado para o Sol está mais próximo de um forno solar do que de um telescópio, podendo cozinhar qualquer coisa colocado em seu foco (inclusive a ocular).

Se você não tiver um meio seguro de observar o Sol, não observe. É certamente preferível perder o fenômeno (que poderá ser visto em outras ocasiões) do que perder sua visão...

Referências

22 outubro 2013

Fotometria lunar no eclipse penumbral de 18 de Outubro de 2013

Imagem da Lua no eclipse penumbral de 19 de Outubro de 2013. À esquerda, ela se encontra eclipsada.
Pouco antes da data que marcou o último eclipse da Lua, foi interessante ler na internet alguns astrônomos amadores se queixarem de que este eclipse não valia a pena ser observado. Certamente, o efeito do obscurecimento do limbo lunar com a entrada da Lua na 'penumbra' da Terra não é dos fenômenos mais marcantes para se observar no céu, e o efeito teria passado desapercebido da maioria não tivesse ele sido anunciado previamente por várias fontes.

Acontece que a astronomia empírica é feita de fenômenos pouco notáveis. Então, aqui, resolvemos analisar o perfil da curva de luz lunar para 'ressaltar' o efeito e estudá-lo com mais detalhe. Embora seja aparente o obscurecimento como visto na Fig. 1, vamos tornar essa diferença 'explícita' por meio de análise da imagem. Talvez, a abordagem que usamos aqui possa ser usada em outros eclipses, ou sua aplicação sistemática possa ser usada para estudar, por exemplo, variações sutis no brilho da Lua durante eclipses totais. 

Para o astrônomo amador com interesse no desenvolvimento científico (e não apenas em tirar fotos do céu), esse artigo pode servir para tornar evidente a quantidade de informação contida em uma foto, mesmo que tirada com equipamentos simples.

A análise do perfil de brilho da lua durante o eclipse

Ambas as imagens da Lua na Fig. 1 foram tiradas com o mesmo equipamento (Fig. 2) e mais, com a mesma configuração (setup). Usou-se uma câmera Nikon D40 com uma objetiva com distância focal de 300 mm, f5.6. A sensibilidade do sensor (em modo manual) foi ajustada para ISO 200 e um tempo de exposição igual a 1/400 segundos. É importante também lembrar que as fotos foram tiradas sem a presença de nuvens. A análise que fazemos aqui não é válida se a Lua for registrada entre nuvens, por razões fáceis de se entender.

Fig. 2 Equipamento usado para tirar a foto da Fig. 1.
A primeira observação a respeito das imagens da Fig. 1 é que elas não estão alinhadas. Uma vez que a câmera foi colocada sobre um suporte (tripé) em montagem 'altazimutal', com o movimento da Lua no céu (no intervalo de tempo considerado), ela 'girou' em relação ao eixo da imagem (por exemplo, um eixo vertical que passe pelo centro de cada frame). Portanto, para poder extrair informação de cada imagem, é necessário considerar alinhamento, o que é algo constante em astrometria.

Nosso objetivo é extrair uma 'linha' ou corte na imagem com as intensidades registradas e comparar cada uma dessas linhas nas duas situações: Lua eclipsada e Lua depois do eclipse (fotometria do eclipse). Escolhemos na imagem original dois 'pontos' bem proeminentes conforme mostrados na Fig. 3. O primeiro ponto é o centro da cratera Aristarco conforme mostrado na figura. Esse ponto foi ligado a outro na parte 'superior' (sul da Lua). 
Fig. 3 Escolha dos pontos para traçado de uma reta e extração da curva de brilho. Não temos certeza, mas o ponto 'B' pode corresponder às crateras Reichenbach e Stevinus (ref. 1).
Esses dois pontos foram escolhidos de forma que a variação de brilho na curva fosse máxima. A parte próxima ao ponto B (Reichenbach, Stevinus?, ref. 1) estava localizada na região de maior obscurecimento, enquanto que o primeiro ponto (Aristarco) não apresentava variação de brilho. 

Assim, ao invés de girar as duas imagens (o que é problemático, já que elas estão amostradas sobre uma matriz diferente dos sensores do CCD da câmera), optamos por traçar as duas linhas em ambas as imagens. 

Fig. 4 Retas traçadas que correspondem a uma seção da imagem contendo os dados de brilho para análise. A Lua na esquerda é a Lua eclipsada, a Lua da direita é a Lua de "referência".

As retas escolhidas podem ser vistas na Fig. 4. Essas retas são determinadas pela equação:

y(x)=Y0+((Y1-Y0)/(X1-X0))*(x-X0),

onde (X0,Y0) e (X1, Y1) são as coordenadas dos pixels escolhidos na Fig. 2. Cada frame de imagem foi sub-mostrado para uma matris de 500 X 500 pixels. Para a imagem da direita (Lua de referência pós eclipse) temos

X0=304, Y0 = 286
X1=242, Y1=118

Para a Lua eclipsada:

X0=243, Y0=393
X1=297, Y1=122.

É importante notar que as duas retas não irão cair exatamente sobre as mesmas regiões lunares (mesmo porque, como dissemos, cada imagem está amostrada sobre sensores diferentes do CCD). Porem as 'amostras' assim extraídas irão corresponder, dentro do erro esperado, aos mesmos intervalos de dados em cada situação (eclipse e Lua de referência).

Para checar se a extração é correta, podemos calcular a distância entre os pontos extraídos em cada versão de imagem. No caso da lua de referência, essa distância foi igual a 275,1 pixels e, na Lua eclipsada, 276,3 pixels. A diferença observada está dentro do erro +/-0,5 pixels. 

Resultado
Fig. 5 Curvas fotométricas da lua de referência (curva preta), da Lua eclipsada (curva azul). A curva inferior é da diferença ente a curva preta e a azul e reflete o grau de obscurecimento provocado pelo eclipse penumbral.
O resultado pode ser visto na Fig. 5 e corresponde a uma amostra de 80 pontos da matriz de 500 X 500. Na abcissa está o índice que identifica o ponto ao longo da reta escolhida conforme a Fig. 4. Na ordenada está a intensidade ou brilho medido em tons de cinza (de 0 ou preto a 255 ou branco). À medida que andamos do zero até o final da curva para a direita, movemos do sul ao norte da Lua, passando por diversas características de sua superfície que estão identificadas na figura. A lua de 'referência' está gravada na curva escura (preto). A reta extraída da Lua eclipsada está representada pela curva azul. A diferença de brilho está marcada na curva inferior e chega a aproximadamente 60 tons de cinza.  

Conclusões

Por causa de um efeito chamado de 'aliasing', os dados extraídos originalmente não tem o mesmo comprimento (número de pontos). Isso acontece porque, de novo, as imagens estão giradas. Para que a medição fosse mais precisa, seria importante colocar a câmera ou equipamento sobre uma montagem equatorial. Um algoritmo de 'anti-aliasing' foi aplicado para produzir a Fig. 5, de forma que alguns pontos não caíram exatamente na mesma 'coordenada' (eixo da abcissa). Mas, conseguimos efetivamente registrar a diferença de brilho entre as bordas da Lua, o que corresponde a uma diferença não maior que 25% em relação ao tom mais branco (~250).

Até aqui apenas fizemos um trabalho de registro, análise e 'redução' dos dados. Seria possível explicar a curva da diferença na Fig. 5? O obscurecimento é, obviamente, provocado porque, na superfície da Lua, a Terra está provocando um eclipse 'parcial' do Sol. A diferença de intensidade na superfície é proporcional ao grau de ocultação provocado pela Terra no Sol. Por exemplo, a ocultação foi  maior no limbo próximo a Stevinus neste eclipse (correspondente à parte esquerda do gráfico da Fig. 5) e foi gradativamente desbloqueando o Sol em direção ao 'Oceanum Procellarum'.

Nos eclipses totais da Lua, a situação é muito mais complexa por causa da influência da atmosfera terrestre.

Para fazer teoria e prática corresponderem, seria necessário ter uma imagem ou configuração calibrada, o que foge do escopo deste trabalho. De novo, enfatizamos aqui que essa análise só é válida para a Lua observada em dois instantes sem a presença de nuvens. Não é difícil ver que as nuvens iriam prejudicar totalmente as intensidades, tornando impossível a comparação.

Fig. 6 Aplicação de uma transformação não linear sobre os pixels, aumenta o contraste e revela o obscurecimento de uma forma artificial.
Lembramos ainda que é fácil modificar a imagem da Lua eclipsada na Fig. 1 produzindo algo como a Fig. 6. Esta é uma imagem em que o constraste foi muito aumentado, tornando mais aparente o efeito do obscurecimento. Entretanto esta imagem está longe da aparência real do eclipse para aqueles que tiveram a chance de observá-lo à vista desarmada ou usando um binóculo. A astronomia amadora também pode estar cheia de imagens belas, porém enganosas.

Referência

1. Atlas da Lua cheiahttp://www.lunasociety.org/atlas/







09 outubro 2013

Eclipse penumbral: 18 de Outubro de 2013

Fig. 1 Sequência de imagens da lua mostrando a evolução
de um eclipse penumbral. Imagem: Observatório de Hong Kong.
Veja aqui os resultados de uma análise fotométrica deste eclipse.

Um eclipse penumbral ocorre quando a Lua entra a área da penumbra da Terra. A penumbra é a região da sombra que não está completamente obscurecida pelos raios do Sol. A diferença de brilho que se observa na penumbra se deve à diferença de tamanho entre o Sol e a Terra.

Então, esse tipo de eclipse faz com que a lua apareça apenas levemente escurecida (como visto desde a Terra, Fig. 1) e sua impressão é bem menos dramática do que em um eclipse total da Lua. Portanto, não espere grande coisa. 

O anoitecer do dia 18 de Outubro de 2013 será marcado por um eclipse penumbral que poderá ser visto na Europa, Oeste da Ásia, África, Leste da América do Norte e Leste da América do Sul (o que inclui o Brasil). Não haverá obscurecimento total, nem avermelhamento da Lua.

Para a cidade de Campinas/SP, a seguinte tabela fornece o horário para entrada, máximo e saída da Lua da penumbra. Para outras localidades, o horário fornecido segundo o Tempo Universal poderá ser usado para determinar esses momentos.

Fig. 2 Tabela com horários para  o início, máximo e fim do eclipse penumbral.

Este eclipse será sucedido por um eclipse total do Sol a 3 de Novembro de 2013 que não será visível no Brasil em sua totalidade.

O próximo eclipse lunar será a 15 de Abril de 2014.
Tempos de exposição para fotografar eclipses lunares.
Segundo Keith Cooley.

Fotografia de eclipse lunar

Para quem tiver interesse em registrar o fenômeno de forma fotográfica, a tabela da Fig. 3 sugere os tempos de exposição em segundos conforme indicado por Keith Cooley. Observe que esta tabela fornece o tempo conforme o número ISO e a abertura (número f). Na prática, o ideal é que se experimente com diversos tempos e aberturas para obter os melhores resultados. 

Alguns fatos interessantes sobre eclipses
  • Eclipses lunares somente ocorrem durante luas cheias;
  • Eclipses solares somente ocorrem durante luas novas;
  • Um eclipse solar sempre ocorre duas semanas depois ou antes de um eclipse lunar (no caso do eclipse de 18 de outubro de 2013, haverá ocorrência de eclipse total do sol em 3 de Novembro de 2013 que não será visível no Brasil);
  • Eclipses lunares podem durar no máximo 3 horas e 40 minutos, com a totalidade durante até 1 hora e 40 minutos;
  • Eclipses solares podem durar, no máximo 7 minutos e 40 segundos se forem totais (no equador). Se forem eclipses anulares, podem durar até 12 minutos e 24 segundos;
  • Eclipses lunares nunca podem ocorrer mais de três vezes ao ano. Eclipses solares ocorrem, pelo menos, duas vezes ao ano, mas nunca mais de cinco vezes;
  • Eclipses lunares são visíveis em todo um hemisfério. Eclipses solares são visíveis apenas em uma pequena faixa que tem, no máximo 270 km de largura;
  • O maior número de eclipses lunares e solares que podem ocorrer em um ano é 7;
  • Dado uma localização geográfica específica no globo terrestre, um eclipse solar somente poderá ocorrer novamente 360 anos depois naquela mesma localização, em média;
  • As características de um dado eclipse são repetidas a cada 18 anos, 1 dia e 8 horas, com algumas pequenas variações. Tal ritmo de longo prazo é chamado de Ciclo de Saros.  

05 outubro 2013

Cometas em 2013: notícias do ISON (C/2012 S1)

Fig. 1 Imagem do cometa C/2012 S1 (Ison) obtida pelo telescópio espacial Hubble em Abril de 2013. Este cometa irá decepcionar as primeiras previsões de 'o cometa do século'. 
Se desgraças nunca mandam notícia antes ou, dizendo em um sentido positivo, se uma coisa muito boa nunca é anunciada cedo demais, essa mesma ideia pode ser estendida aos cometas. Porque, dificilmente, grandes cometas - isto é cometas que são vistos à vista desarmada facilmente por serem muito brilhantes - cumprirão o que, frequentemente, é prognosticado para eles.

Por outro lado, cometas brilhantes recentemente não foram anunciados dessa forma, somos como que 'colhidos de surpresa' pela aproximação de um astro que dificilmente revela facilmente os seus segredos.

Na verdade, o mais comum é a decepção futura ao se assumir que um cometa, só porque foi descoberto muito tempo antes de seu periélio e teve sua posição cuidadosamente determinada como favorável,  irá de fato realizar o grande 'debut'. Ainda bem que, com o avanço das comunicações e agilidade dos meios de cálculo e observação, as decepções, elas mesmas, passaram a ser previstas com antecedência também.

Esse parece ser o caso do cometa C/2012 S1 (ISON) sobre o qual já escrevemos aqui antes (1).    

A redescoberta do cometa ISON

Fazendo uso de equipamentos para um bom serviço à causa da astronomia, o amador Bruce Gary (2) conseguiu o primeiro registro fotográfico do cometa ISON logo após sua última conjunção com o sol (Fig. 2). Essa imagem não teria nada demais se não fosse o fato de que o tal cometa se monstrava duas magnitudes menos brilhante do que seria esperado para  a data.
Fig. 2 Imagem em Agosto de 2013 do astrônomo amador Bruce Gary logo após a conjunção do cometa ISON com o Sol. 
A consequência:  as estimativas iniciais estavam muito otimistas. Isso significa que o C/2012 S1 talvez não irá se mostrar como o espetáculo previsto no começo de 2013... O lado bom é que esse acompanhamento permitiu reverter a história magnífica prevista para sua aparição, antes que se gastasse muito dinheiro para promover o evento.

Fig. 3 Posição do Ison como visto em 10 de Outubro de 2013 as 4:50 (da manhã).

No mês de Outubro de 2013 ele poderá ser visto de madrugada, no início com mag. 10.0, próximo ao planeta Marte (Fig. 3) na constelação do Leão. A observação desse cometa para a região sul do Brasil será mais favorável no final de Outubro e início de Novembro, sempre muito baixo, próximo ao horizonte leste antes do nascer do Sol, na fronteira entre as constelações de Leão e Virgem.

Atualização: 12 de Outubro (2013)

Segundo Ignácio Ferrin (4) o cometa Ison tem 100% de chance de se desintegrar. Baseado em análise de curvas de luz, ele afirma de forma taxativa que o cometa Ison acaba de entrar em uma zona perigosa.

Já segundo a Revista Nature (5), o cometa irá sobreviver:
Knight e Kevin Walsh, do Instituto de Pesquisa do Sudoeste em Boulder, Colorado, usaram simulações matemáticas para estudar se o cometa Ison irá se de desintegrar. Observações do telescópio espacial Hubble, assim como telescópios menores, sugerem que o núcleo do Ison tem entre 1 a 4 km de diâmetro. Dada as características de outros cometas que sobreviveram a encontros próximos com o Sol, tal como o Ikeya-Seki em 1965, o time sugere que o Ison é grande demais para ser vaporizado. ( Ref. 5 )
A julgar pela imprevisibilidade desse tipo de fenômeno, não é possível fazer qualquer previsão hoje (meados de Outubro de 2013), uma vez que as teoria expostas no trabalho de Ferrin não são consenso científico e é bem provável que existam incertezas nos cálculos de Walsh. Vamos acompanhar o desenvolvimento desse cometa, a partir de observações, que é o único meio correto de se posicionar a respeito desse belo espetáculo celeste.

Até lá, façam todos as suas apostas!

Referências







14 setembro 2013

Cometas em 2013: C/2012 V2 (LINEAR)

Imagem do cometa C/2012 V2 tirada por D. Peach em 1 de Setembro de 2013.

Descoberto no dia 5 de novembro de 2012 por instrumentos do projeto Lincoln Laboratory Near-Earth Asteroid Research (LINEAR) este é, em setembro de 2013, o cometa mais brilhante visível. Isso ainda é mais importante pelo fato de ser observável de forma ótima desde o hemisfério sul. O C/2012 V2 atingiu o periélio em 16 de agosto de 2013 e, agora, lentamente reduz seu brilho.

Para observá-lo ainda em setembro/2013 é necessário acordar cedo, antes do nascer do sol. Um bom horário é por volta das 05:00 da manhã, procurando, com um binóculo, por uma nebulosidade nas constelações de Hydra/Pyxis. Esse mesmo horizonte oriental será palco de vários cometas ainda em 2013. Para quem pretende treinar a localização de cometas, o C/2012 V2 é um bom teste de acuidade visual.

Posição de C/2012 V2 antes do nascer do sol em Setembro de 2013. A estrela mais próxima da posição do cometa vista um pouco abaixo dele é Alphard (α Hydra)
Não espere por um cometa de grande brilho. Com magnitude aproximadamente 8.7 em setembro/2013, sua localização exata pode ser obtida (sem ajuda de guiagem automática) por meio deste mapa aqui.

Este cometa permanece visível com ajuda de instrumentos por todo o mês de setembro. No final desse mês e início de outubro, a lua vem se juntar ao cenário do horizonte leste. Por causa do movimento do sol (o dia lentamente se inicia mais cedo), recomenda-se, para observar o cometa ainda em outubro, acordar mais cedo ainda (algo como 15' antes). A cada dia que passa em outubro, o C/2012 V2 torna-se um objeto cada vez mais austral e de menor brilho, dificultando o acesso por observadores do hemisfério norte. 

Referências

11 setembro 2013

Cometas em 2013: novo cometa descoberto por Terry Lovejoy (C/2013 R1)

Imagem do dia 10/9 mostrando o cometa e a presença de um traço de um satélite. Crédito Michael Jaeger.
O prolífico descobridor de cometas Terry Lovejoy (da Austrália) anunciou no último dia 9 de Setembro (2013) a descoberta de um novo cometa que recebeu a designação C/2013 R1 (Lovejoy). Para a descoberta, ele usou um telescópio refletor de 20 cm de diâmetro do tipo Schmidt-Cassegrain.

O astro se localizava na constelação de Monoceros e brilhava a magnitude 14.5. Outras observações mostraram este novo cometa com uma pequena condensação (coma).

Para observá-lo visualmente em Setembro e Outubro é necessário telescópios maiores, porém, ele será visível como um cometa de magnitude 8.0, ou seja, facilmente observável por binóculos no final do mês de Novembro de 2013. Nessa época (final do mês), o cometa Lovejoy irá passar a aproximadamente 60 milhões de quilômetros da Terra. 

Coincidentemente, Novembro será provavelmente o mês para um verdadeiro encontro de cometas no céu. Teremos a presença do cometa ISON (C/2012 S1, sobre o qual já escrevemos aqui) e também o cometa Encke (com mag. estimada 6.0) junto com os planetas Marte e Júpiter. Para observadores do hemisfério sul, entretanto, a presença do novo Lovejoy não será muito apreciada, já que, no final de Novembro ele estará na constelação da Ursa Maior, acessível, portanto, à observadores do hemisfério norte apenas.

Trajetória aparente do C/2013 R1 no céu. Sua posição no final
em novembro não permite sua observação no hemisfério sul.
De qualquer forma, quem tem instrumentos mais potentes poderá observar a nebulosidade do C/2013 R1, provavelmente até a metade de Novembro aqui no hemisfério sul (veja o mapa acima).

Traremos mais informações sobre o C/2013 R1 ainda antes de seu periélio. 

Referências







16 agosto 2013

Nova Delphini 2013

Fig. 1 Posição da nova na constelação do Delfim, visível com binóculos.
Clique no mapa para amplicar.
O astrônomo Japones Koichi Itagaka de Yamagata no Japão descobriu uma 'nova estrela' na constelação do Delfim (Fig. 1) no dia 14 de Agosto último. Para isso, ele usou um telescópio refletor de 7 polegadas e uma câmera CCD. Essa estrela recebeu a designação temporária PNVJ20233073+2046041. 

Horas mais tarde, ela foi confirmada como um objeto 'novo' que brilhava a mag. 6,8 quase que visível à vista desarmada. Um dia antes da descoberta, nada era visível até a mag. 13 na posição assinalada pelo descobridor. Com esse brilho, a nova estrela pode ser facilmente fotografada com equipamento comum, usando-se exposições curtas de até 30 segundos. 

Fig. 2 Mapa feito como Stellarium por Bob King mostrando a aparência da nova estrela em
um campo e 2 graus. Os número indicam valores de magnitude (sem a separação decimal). 
A aposta é que esse novo objeto continuará a crescer de brilho, talvez atingindo o limite para observação visual desarmada, mesmo contando com a poluição luminosa (Fig. 3). Embora a designação de 'nova', acredita-se que se trata, de fato, de uma explosão de uma estrela que sempre existiu no lugar, mas que era fraca demais para provocar qualquer atenção especial. Segundo teorias modernas, uma nova ocorre quando dois objetos peculiares (um deles sendo uma anã branca) estão muito próximos. A anã branca extrai gás de sua companheira  muito maior e esse gás bastante aquecido (a temperaturas que chegam a centenas de milhares de graus Celsius), provoca o clarão observado como nova. 

Esse fenômeno pode reduzir em até 16 pontos o valor de magnitude do objeto, o que representa um aumento de 100 mil vez no brilho intrínseco.

Para astrônomos amadores de plantão, o fenômeno é raro o suficiente (poucas novas ficam abaixo de mag. 8,0) para justificar uma campanha de acompanhamento de brilho, anotando-se cuidadosamente os valores por comparação com estrelas vizinhas, conforme mostra o mapa feito por Bog King na Fig. 2.

Para um mapa com maior campo:

http://media.skyandtelescope.com/documents/Nova_in_Delphinus_PSA64.pdf

Fig. 3 Curva de brilho da Nova Delphini até 16 de agosto de 2013, mostrando brilho crescente na data. Cortesia: AAVSO.
Referência





23 junho 2013

Relatos de minhas observação do 1P/Halley em 1986


Uma observação nossa, datada de 5 de abril de 1986 foi encontrada em nossos registros de observação. Depois de 27 anos, temos a chance de publicá-la, com desenhos que foram feitos na época. Essas observações foram feitas desde Piracicaba/SP e usei um binóculo 7X50 e um telescópio refletor Newtoniano de 120 mm de diâmetro marca DFV (DF Vasconcellos).

Página 1 do relato de observações em 5 e 4 de abril de 1986.
Clique na imagem para ampliá-la.
O texto da Página 1, escrito à máquina diz:
Minha primeira observação pós periélica do cometa Halley se deu às 8:30 da manhã (TU) do dia 14 de março. Estava ele acima da constelação de Capricórnio, dentro de um quadrilátero formado por quatro estrelas em forma de trapézio. 
A cauda perfeitamente visível não excedia os 4 graus, mas a cauda real deveria ser bem maior. A olho nu, era possível vê-la estreita e pequena. Esta cauda revelava-se, ao binóculo 7X50, grossa e com um bom comprimento. Talvez sua espessura seja devido ao efeito de perspectiva entre a cauda de poeria e a de gás. 
A magnitude visual do cometa na ocasião era, por incrível que pareça, superior à magnitude do aglomerado globular ω Centauri. A dimensão da cabeleira era da ordem de 7' de arco, com um núcleo óptico de diâmetro superior ao estelar, portanto, maior que 1" de arco.
E prossegue:
No dia 21 de março, volto à observação no mesmo horário.  
A principal diferença era o fato da cauda apresentar uma menor curvatura do que no dia 14. 
No dia 26 de março, a influência da Lua é marcante no comprimento da cauda. Sua redução é quase que completa, somente destacando-se a cabeleira e o núcleo. 
4 de abril -------------------
Início: 2:30 TU. 
A cauda apresentava-se muito menor do que no dia 14 de março. 
O fato mais marcante da observação foi o diâmetro da cabeleira, que apresentava-se bem maior do que antes, devido a sua maior proximidade com a Terra. O diâmetro era de ordem de 13' com núcleo um pouco mais nebuloso. 
A magnitude visual este dia era de ordem inferior ao do aglomerado globular ω Centauri. Talvez isso seja devido a proximidade do horizonte, o que diminuiria sua luminosidade. 
Observação: todas as observações foram realizadas em área urbana, com poluição luminosa não muito influente e sem poluição atmosférica.
Página 2 do relato de observações em 5 e 4 de abril de 1986.
Clique na imagem para ampliá-la.
Finalmente, a foto apresentada no final, é uma reprodução de uma imagem publicada no jornal na época, de autoria e data desconhecidos. O texto é acompanhado com desenhos feitos à mão do que pude observar nessas datas. Minha descrição do céu urbano de Piracicaba na época era de 'pouca influência da poluição luminosa', o que contrasta com os dias atuais.

23 maio 2013

Contemplando o céu: a constelação do Cruzeiro do Sul (Crux)

Imagem do Cruzeiro do Sul. Foto tirada em 4 de fevereiro às 20:58. Nikon D40, ISO-1600, 10 s de exposição. Essa é uma imaem do Cruzeido do Sul conforme ele aparece a observadores urbanos.
Em teu seio formoso retratas
Este céu de puríssimo azul
A verdura sem par destas matas,
E o esplendor do Cruzeiro do Sul...
Olavo Bilac

"...estas Guardas nunca se escondem, antes sempre andam em derredor sobre o horizonte, e ainda isto duvidoso, que não sei qual de aquelas duas mais baixas seja o Pólo Antárctico; e estas estrelas, principalmente as da Cruz, são grandes, quase como as do Carro; e a estrela do Pólo Antárctico, o Sul, é pequena como a do Norte e mui clara, e a estrela que está em riba de toda a Cruz é muito pequena." (Carta de Mestre João a D. Manuel, observação do céu feita em Vera Cruz, Primeiro de Maio de 1500, arquivo Nacional da Torre do Tombo)

O conhecido asterismo de Crux (o Cruzeiro) é uma das mais distintas constelações do hemisfério austral. Semelhantemente ao "Grande Carro" (Ursa Maior) ou a "Pequena Ursa" no hemisfério boreal, sua posição próximo ao polo celeste sul confere a ele o aspecto de "ponteiro celeste", pois é uma constelação circumpolar, assim como  α e β do Centauro se apresentam como um "distinto par" próximo a Crux. Essa característica não passou desapercebida de Mestre João, que chama de "As Guardas" as estrelas do Cruzeiro, na missiva que endereçou a D. Manuel de Portugal com suas observações em 1o de Maio de 1500. Os arquivos da Torre do Tombo em Portugal contém os detalhes da missiva, bem como outros documentos e um mapa celeste feito por Mestre João em 1500 contendo distintamente as principais estrelas do Cruzeiro.

Crux está localizada numa extensa faixa leitosa da Via-Láctea, sendo melhor apreciada em lugares notadamente escuros, uma condição certamente prevalecente em 1500, o que muito deve ter deslumbrado os primeiros navegadores portugueses.

Com uma câmera fotográfica moderna capaz de realizar poses prolongadas, além das principais estrelas que compõem Crux, é possível registar várias outras progressivamente, conforme a tempo de exposição ou sensibilidade do dispositivo permite. Por se localizar próximo ao polo celeste sul, exposições de até 20 segundos ou mais, com objetivas simples (tipo 50 mm) são permitidas, sem que se registre os traços do movimento da abobada celeste, que são mais fáceis de se perceber nas fotos de objeto localizados nas proximidades do equador celeste.

Fig. 1
Principais componentes

O mapa da Fig.1 identifica os principais membros da constelação de Crux como visto desde a perspectiva da metade da noite de um dia de começo de Fevereiro. Alguns dos destaques dessa constelação são brevemente discutidos no que segue.

Aos pés do cruzeiro está Acrux (α Crucis): é a estrela mais brilhante da constelação e a 12a mais brilhante do céu. Tem uma magnitude visual de aproximadamente 0,7 e está a 320 anos-luz de distância da Terra. Na latitude -63 graus ela é a estrela mais brilhante do céu austral. Não pode ser vista ao Norte a partir da latitude 27 graus.

Acrux é um sistema múltiplo composto de α-1 Crucis, uma subgigante de classe B e α-2 Crucis, uma estrela anã da classe B. Elas estão separadas aparentemente por 4". Ambas estrelas são muito quentes, com luminosidades que são 25 mil e 16 mil vezes maiores que o Sol.

Na bandeira do Brasil,  α Crux representa o Estado de São Paulo.

β Crucis (Mimosa) é a segunda estrela mais brilhante da Cruz e a 20a mais brilhante do céu. Tem a magnitude aparente de 1,3 e está distante de nós 350 anos-luz. Ela é classificada como uma variável do tipo β Cephei. Além disso, é uma estrela binária espectroscópica, composta de duas estrelas separadas por 8 U. A. (Unidades Astronômicas) de distância que orbitam uma a outra em um período de cinco anos. Na bandeira do Brasil, Mimosa representa o estado do Rio de Janeiro.

δ Crucis é um exemplo de estrela variável do tipo "Cefeida", com uma variação muito sutil no seu brilho  e num período de pouco mais de uma hora. Essa variação está associada a uma rápida rotação da estrela.

A estrela chamada, às vezes, de "Intrometida" ou "Intrusa" (porque está localizada de forma a modificar a imagem da cruz) é ε Crucis, uma estrela de classe K de 4a magnitude. Sendo uma gigante laranja, está localizada a 230 anos luz de distância.

γ Crucis (Gacrux) é uma gigante vermelha do tipo espectral M. Tem magnitude aparente 1,6 e está a 88 anos-luz de distância. Gacrux é a 26a estrela mais brilhante do céu e também é um par binário onde a principal é do tipo M e a companheira (secundária) é uma estrela branca da classe A com magnitude visual 6,4. Entretanto, essa proximidade é apenas aparente, pois a companheira está localizada a 400 anos-luz de distância da Terra.

As estrelas ι Crucisμ Crucis são estrelas duplas. Iota está localizada a 125 anos-luz de distância e é composta de uma estrela laranja do tipo K1 com magnitude 4,7 e uma companheira tipo G de magnitude 10,2. Já μ Crucis é a sexta estrela mais bilhante do Cruzeiro formando um par bem separado de estrelas banco azuladas (classe B) de magnitudes 4,0 e 5,1 e separadas em 35". Ela é facilmente observada com um telescópio pequeno (de 70 mm de diâmetro) ou mesmo num bom binóculo.
Fig. 2 NGC 4755 ou a 'Caixa de Jóias' conforme uma imagem
do ESO em La Silla.

A "Caixa de Jóias" ou κ Crucis (Fig. 2 e 3) é um esplêndido aglomerado aberto, um dos mais famosos do hemisfério austral. Também chamado de NGC 4755 ou Caldwell 94, ele está localizado a aproximadamente 6500 anos-luz de distância e contém algo em torno de 100 estrelas.

A estrela que domína a cena na "Caixa de Jóias" é a estrela HD 111973 que é uma super gigante vermelha do tipo M com magnitude visual 5,9. Seu brilho e coloração contrasta com todo o conjunto, que é predominantemente azul.

Outro objeto que domina o panorama do cruzeiro e que é observado apenas em locais sem poluição luminosa é a nebulosa escura do Saco de Carvão (Fig. 3, filme). Foi registrado pela primeira vez em 1499 por Vicente Pinzon em uma viagem à America do Sul. Alguns anos mais tarde, Américo Vespúcio denominou esse objeto "il Canopo fosco". Também é conhecido como "Macula Magellani", numa referência ao grande navegador Fernão de Magalhães. Mas, é provável que sua presença seja conhecida desde tempos pré-históricos. De qualquer forma, sua observação requer condições especiais que não existem em centros urbanos. 

Figura 3 "Zoom" com imagens do Telescópio Hubble da região 
do cruzeiro com detalhe de  κ Crucis.

Uma variedade de outros aglomerados como NGC 4609, NGC 4103, NGC 4052, NGC 4337 e NGC 4439 pode ser observado facilmente nesta pequena constelação, que é, talvez, a mais famosa do hemisfério austral. 

O Cruzeiro visto desde Londres em 3000 a.C.

Uma curiosidade (2) é que a constelação do Cruzeiro era visível desde Londres por volta do ano 3000 a. C. Isso se deve ao movimento de precessão da Terra que modifica o aspecto visível do céu em um período de 26 mil anos. Uma simulação pelo software Stellarium mostra o surgimento de Crux bem baixo no horizonte londrino (não se podia ver toda a constelação, mas apenas sua porção boreal) conforme mostra a Fig. 4. A data é 26 de Fevereiro de 3000 a. C e o horário é aproximadamente 21:00 UT. A simulação mostra o asterismo de Crux algo deformado por causa do movimento das estrelas em relação a nossa época.

Fig. 4. Imagem do Cruzeiro do Sul visto desde a cidade de Londres em 26 de fevereiro do ano 3000 a. C.
Agradeço ao Alexandre Caroli Rocha por algumas dicas de referências históricas.

Referências
  1. G. B. Afonso (2013). O Cruzeiro do Sul e as Plêiades no calendário dos índios Guarani. Revista Digital de apoio ao estudante pré-universitário.
  2. R. Las Casas (2000). O Cruzeiro do Sul. Observatório UFMG.
  3. Arquivos da Torre do Tombo (Portugal)http://antt.dgarq.gov.pt/exposicoes-virtuais-2/astronomia/